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23/09/2011

Mind Da Gap - Invicta


Porto - Portugal - Praça Gonçalves Zarco / Castelo do Queijo


Porto - Portugal - Biblioteca Municipal


Livraria Lello


                                         Porto, (Oporto) Portugal.

Aqui reinava um Rei - Ariano Suassuna



Aqui reinava um Rei quando eu menino: 
vestia ouro e castanho no Gibão.
Pedra-da-sorte sobre o meu Destino, 
pulsava junto ao meu seu coração.

Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o riso, o sangue e as mortes do Sertão.
                                 
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia 
eu vivo como um cego, sem meu Guia, 
que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua Efígie me queima. Eu sou a presa, 
ele a Brasa que impele ao Fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado.

Ariano Suassuna.

22/09/2011

Um Pouco de Ariano - Francisco Diniz


Ariano Suassuna (n. 1927) 


UM POUCO DE ARIANO
Em Folheto de Cordel

A expressão popular,
Riqueza da humanidade,
Mantida através dos tempos,
N’áurea da simplicidade,
Contudo os grandes sábios
Vêem nela grandiosidade.

Um dos grandes defensores
Deste saber popular,
Ariano Suassuna,
Vate, nobre, salutar,
Hoje aqui neste cordel,
Quero homenagear.

É Ariano Vilar
Suassuna, nordestino,
Pessoense, advogado,
Professor, sempre um menino,
Teatrólogo, romancista,
Um pensador matutino.

Foi na antiga Parahyba,
A cidade em que nasceu
- Que hoje é João Pessoa -,
Seu natal aconteceu
Dia 16 de junho
E o ano que se deu...

1927,
Filho de João Urbano
Pessoa de Vasconcelos
Suassuna, paraibano,
E Rita de Cássia Dantas
Vilar Suassuna, sem engano.

01

Aos 3 anos de idade
Pegou um fardo pesado,
Lá no Rio de Janeiro
Seu pai foi assassinado,
O que deixou Ariano
Triste e traumatizado.

Foi a disputa política,
Antes da Revolução
De 1930,
A importante razão,
Motivo do assassinato
Do seu genitor João.

Este que na Paraíba
Foi Governador de Estado
Do ano de 24 (1924)
A 28 passado (1928),
Era pai de 9 filhos,
Com Dona Rita, casado.

Em 1930,
Após a morte de João
Dona Rita se mudou
Deixou o seu velho chão,
Primeiro pra Pernambuco,
Depois foi para o sertão...

Do Estado da Paraíba
À fazenda Acauã,
Em seguida, com os filhos,
A senhora guardiã,
Foi à vila Taperoá,
Tudo isso com o afã...

02

De prover a sua família
Da repleta segurança,
Pois o clima que existia
Não era de confiança,
Rita de Cássia sofreu,
Mas cuidou de suas crianças.

Na vila Taperoá,
Ariano realizou
Os seus estudos primários
E no sertão vivenciou
Estórias, casos narrados
Que o povo de lá contou.

Cantados em prosa e verso
E sotaque peculiar
Que a gente sertaneja
Tem na forma de expressar
Ajudaram Ariano
A melhor assimilar

Que o saber popular,
Suas crenças, oralidade,
Que a poesia matuta,
Sua especificidade
Serviriam de suporte
Com muita fertilidade

Para suas produções
E que fizeram luzir
Peças, poemas, romances
Bem como seu refletir
Ao longo de sua história
Comprovado com um agir

03

Que respeita as tradições
Do Nordeste brasileiro,
Que se orgulha da crendice
Do homem simples, roceiro,
Que valoriza o autêntico
E belo cancioneiro.

No ano 42
Ariano foi morar
Na cidade do Recife
Quando então vai estudar:
Ginásio Pernambucano
E depois vai ingressar

No Colégio Oswaldo Cruz,
Onde a arte foi notada,
Sua expressividade
Fora logo publicada
Nos jornais pernambucanos
Muito bem apreciada.

O seu livro de Poemas,
“O Pasto Incendiado”,
Mostra o seu pensamento
E fora iniciado
No ano 45
E em 70 terminado.

1946
Na faculdade entrou
De Direito do Recife
E com amigos fundou
O “Teatro de Estudante (TEP)
Pernambucano
” e criou...

04

No ano 47
A sua peça primeira
Que era “Uma Mulher Vestida
De Sol
”, uma trama certeira,
Ganhou concurso do TEP,
Belo início de carreira.

1948,
Ariano escreveu
Cantam as Harpas de Sião”,
Que mais tarde concebeu
Pra ela nova roupagem
E outro nome ofereceu:

O Desertor de Princesa”.
No ano seguinte, então,
Escreve “Os Homens de Barro”;
Em 50, a criação
Foi “O Auto de João da Cruz
Que causara emoção

Pelo reconhecimento
Com o prêmio “Martins Pena”;
Ainda neste 50
Começava entrar em cena,
Ariano advogado,
A produção era plena.

Também aí escreveu
A obra: “É de Tororó
Juntamente com Capiba
E o poeta maior
Chamado Ascenso Ferreira
Dos três, não sei o melhor.

05

Voltou pra Taperoá,
Onde escreveu e montou
No ano 51
A peça que nomeou
Torturas de um Coração”,
Nova decisão tomou...

No ano 52
Ao Recife retornava,
A produção literária
A cada ano aumentava;
1953
Ariano editava:

O Castigo da Soberba”.
O Rico Avarento” veio
No ano 54,
Ano que ele por meio
Da peça “Arco Desolado
Teve o cartaz bem cheio,

Pois num concurso em São Paulo
Recebeu menção honrosa.
Já no ano 55
Vieram “Ode” e a famosa
Auto da Compadecida”,
Trama hilária e jocosa.

Teve grande aceitação,
A crítica a viu muito bem,
O público se encantou
E ganhou espaço além
Das fronteiras do Brasil,
É um sucesso também...

06

Nas traduções encenadas
Em espanhol, em francês,
Em holandês, ou alemão,
Em theco, em filandês,
Em inglês e vejam só
Em hebraico e em polonês.

Escreveu em 56
A História de Amor
De Fernando e Isaura
”;
Em 61 mostrou
O texto “Igarassu”,
Outra obra que ficou.

Ainda em 56
Ariano abandonou
De vez a advocacia
Pra tornar-se professor
De “Estética” da UFPE,
No ano seguinte contou...

Com a encenação da peça
Que era o “Casamento
Suspeitoso
” e também
Encenada no momento
A peça “O Santo e a Porca
De agradável julgamento.

1957,
19 de janeiro,
Casa-se o Ariano,
Matrimônio primeiro,
Zélia de Andrade Lima,
Seu romance verdadeiro.

07

Nasceram então 6 filhos
Joaquim, Maria, Manoel,
A Mariana, a Ana
E também a Isabel:
Os frutos de uma vida
Regada a sonho e mel.

1958,
A peça “O Homem da Vaca
E o Poder da Fortuna

Nesse ano se destaca;
1959
A Pena e a Lei” ataca.

Mas só uma década depois
Premiada no “Festival
Latino-Americano
De Teatro” e esse aval
Mostra a beleza da obra,
Desse mestre colossal.

Ainda em 59
Funda o “Teatro Popular
Do Nordeste
” e em 60
Começava a mostrar
A Farsa da Boa Preguiça”,
A peça a se apresentar.

No ano 62
Foi feita encenação
De “A Caseira e a Catarina”,
Depois tomou decisão
Parar com a dramaturgia
E ter a dedicação...

08

Só à Universidade,
Mas chegou a publicar
Em meia quatro: “Coletânea
Da Poesia Popular
Nordestina
”, uma obra
Que aqui quero destacar.

Ariano Suassuna,
Sempre idealizador,
No ano 67
Fora membro fundador
Do “Conselho Federal
De Cultura” a propor...

Uma nova reflexão
Ao saber culto e informal,
Por isso que em 70
Cria algo mais que o normal,
Surge em Recife o
Movimento Armorial

Que pregava uma música
Erudita, inspirada
Em raízes populares
Do Nordeste, sendo ousada,
Misto de contemporâneo
Com tradição recriada.

Visa o Armorial
Viajar pela cultura,
Da gravura ao teatro,
Da escultura à pintura
Com nostalgia barroca,
Chegando à arquitetura...

09

Às entranhas do Nordeste,
O culto ao nacional,
Madeira, pedras e frutas,
Profeta, virgem, animal,
Os santos martirizados
Constituem o Armorial.

Nossas cores, nossos mitos,
A prosa e a poesia,
O causo e o cordel
Convivem em harmonia,
Bastião e Conselheiro:
Ícones da rebeldia.

O Armorial produziu
Frutos e influência
Nas artes pelo país,
Inda hoje há abrangência
Do que Ariano pregou:
Uma nova consciência.

Funda em 68,
“O Conselho Estadual
De Cultura” e permanece
Nele até o final
Do ano 72,
Sempre fora um canal...

A refletir o passado,
O presente e o depois.
No ano 69
A UFPE propôs
Para ele novo cargo
Onde muito bem se impôs.

10

Como exemplar diretor
Logo no “Departamento
De Extensão Cultural”
Atuando do momento
Até o ano 74,
Foi certo o investimento,

1971,
Expõe num ar de revolta
A Pedra do Reino e o Príncipe
Do Sangue do Vai-e-volta
”,
Vingança particular,
Da sua caneta se solta.

É que a obra foi um meio
Que Ariano encontrou
De manter vivo seu pai
Por isso o homenageou,
Hoje “A Pedra do Reino”
A rede globo adotou.

Mas já em 72
Fora premiado pelo
“Instituto Nacional
Do Livro”, que sem apelo
Sugere respeito à arte
Que Ariano tem zelo.

Em 74 edita:
Movimento Armorial”,
Edita em 75,
De Silviano, o aval:
Seleta em Prosa e Verso”,
Outro referencial.

11

Também em 75,
Em produção quase atlética
Escreve o seu trabalho:
Iniciação à Estética,
Teoria Literária
”,
Seu pensar e sua ética.

No ano 75
Ia secretariar
A Educação e Cultura
De Pernambuco e ficar
Até o ano 78,
Mas vou aqui registrar

Que no ano 76
Ariano, o professor,
Iria adquirir
O diploma de doutor
Pela UFPE,
Onde por lá ensinou

Por uns 32 anos
“Estética e Teoria
Do Teatro” e também
Ariano ensinaria
Sobre a “Literatura
Brasileira” e daria...

A “História da Cultura
Brasileira” e sua ação
“De’agitador cultural”,
Promoveu sua eleição
À imortal da ABL,
Justo por aclamação.

12

Isso no mês de agosto
Do ano 89,
Já em maio de 90
A Academia o absorve.
Na cadeira 32,
Muitos são quem o aprove.

As Infâncias da Quaderna,
Por volta: 76;
Também foi ano importante
Na UFPE, desta vez,
Tese de Livre-docência,
Outra coisa que ele fez:

A Onça Castanha e a Ilha
Do Brasil: Uma Reflexão (...)
A Cultura Brasileira
;
Nesta época veio então:
Ao Sol da Onça Caetana,
Uma outra composição.

No ano 77,
Surge “O Rei Degolado”,
Que como “A Pedra do Reino”,
Por ele classificado
“Armorial-popular
Brasileiro”, inusitado.

1980
Ariano redigiu
Sonetos com Mote Alheio”;
Em 85, surgiu:
Os “Sonetos de Albano
Cervonegro
”, então se viu.

13

No ano 94
Ariano é aposentado,
E Miguel Arraes o faz
“Secretário de Estado
De Cultura”, em Pernambuco,
Lá, esteve dedicado.

94, “Uma Mulher
Vestida de Sol” ganhou
Especial de tv,
Na rede globo passou;
Já no ano 97
A História de Amor...

De Romeu e Julieta

Saiu no suplemento “Mais”
Do Jornal “Folha” - São Paulo.
Em 98, faz
Um “cd de poesia”;
E em 99, traz...

Novo trabalho: “Poemas”.
Em 2000 são editados
“Ensaios, dissertações,
Teses antigas
”, mostrados
No exemplar número 10,
Cadernos denominados...

Então de Literatura
Brasileira
 e neste ano
Da UFRN
Viraria Ariano
Um Doutor Honoris Causa,
Homenagem sem engano.

14

Ariano Suassuna,
Dramaturgo, romancista,
Um professor, imortal,
Poeta e ensaísta,
O cavaleiro andante,
É quase um sertanista.

Um defensor incansável
Da cultura popular
Das raízes brasileiras
E em muito particular
Do Nordeste, do sertão
E do que é peculiar.

Poucos são os que o criticam
Por ele fazer a mistura
Do que há no erudito
Com a popular cultura,
Mas a unanimidade
Ariano não atura.

Ele também não aceita
Influência do modismo,
Não gostou do mang-beat
E nem do Tropicalismo,
Até mesmo a Bossa Nova
Por ter mão do estrangeirismo.

Ariano Suassuna
Como intelectual
Polemiza, faz pensar,
Postura de magistral,
Não aceitou o prêmio Sharp
De nome internacional.

15

Ariano também é
Membro das Academias:
Pernambuco
 e Paraíba
De Letras
, uma antologia
Viva da nossa cultura
Que nos causa alegria.

Um escritor respeitado
Que não nega a condição
Da arte de qualidade
Que existe no sertão,
Que há no Brasil e pouco
Passa na televisão...

E não se vê na escola
Como deveria ser:
O professor discutindo,
O aluno sempre a ler
As minúcias de um legado
Que não pode se perder.

Para tanto ele luta,
Dá sua colaboração
Convidando o nosso povo
Para a valorização
Da vida que brota em arte
Sobre os palmos deste chão.

Neste cordel agradeço
Ao que o mestre tem ensinado;
Se faltou informação,
Se algo está equivocado
Escreva-me Ariano
Que o texto é revisado.

16

FIM

Cordelista Francisco Diniz
João Pessoa-PB, 22 de novembro de 2006, 11:00H.
Revisado e ampliado em 05/01/2007.
_________________________________________
Site: http://literaturadecordel.vila.bol.com.br
E-mail: literaturadecordel@bol.com.br







Machado de Assis - A Mão e a Luva



Capítulo Primeiro - O Fim da Carta


 - Mas que pretendes fazer agora?
 - Morrer.
 - Morrer? Que ideia! Deixa-te disso, Estêvão. Não se morre por tão pouco...
 - Morre-se. Quem não padece destas dores não as pode avaliar. O golpe foi profundo, e o meu coração é pusilânime; por mais aborrecível que pareça a ideia da morte, pior, muito pior do que ela, é a de viver. Ah! Tu não sabes o que isto é?
 - Sei: um namoro gorado...
 - Luís!
 - ...E se em cada namoro gorado morresse um homem, já tinha diminuído muito o gênero humano, e Malthus perderia o latim. Anda, sobe.
 Estêvão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dois no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição -, que então se chamava dos Ciganos -; então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão,  levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência.
 Eram nove horas da noite; Luís Alves recolhia-se para casa, justamente na ocasião em que Estêvão o ia procurar; encontraram-se à porta. Ali mesmo lhe confiou Estêvão tudo o que havia, e que o leitor saberá daqui a pouco, caso não aborreça estas histórias de amor, velhas como Adão e eternas como o céu. Os dois amigos demoraram-se ainda algum tempo no corredor, um a insistir com o outro para que subisse, o outro a teimar que queria morrer, tão tenazes ambos, que não haveria meio de os vencer,se a Luís não ocorresse uma transação. 
 - Pois sim - disse ele - convenho em que deves morrer, mas há de ser amanhã. Cede da tua parte, e vem passar a noite comigo. Nestas últimas horas que tens de viver na terra dar-me-ás uma lição de amor, que eu te pagarei com outra de filosofia.
 Dizendo isto, Luís Alvez travou do braço de Estêvão, que não resistiu dessa vez, ou porque a ideia da morte não se lhe houvesse entranhado deveras no cérebro, ou porque cedesse ao doloroso gosto de falar da mulher amada, ou, o que é mais provável, por esses dois juntos. Vamos nós com eles, escada acima, até a sala de visitas, onde Luís foi beijar a mão de sua mãe.
 - Mamãe, - disse ele - há de fazer-me o favor de mandar o chá ao meu quarto; o Estêvão passa a noite comigo.
 Estêvão murmurou algumas palavras, a que tentou dar um ar de gracejo, mas eram fúnebres como um cipreste. Luís viu-lhe então, à luz das estearinas, alguma vermelhidão nos olhos, e adivinhou - não era difícil - que houvesse chorado. Pobre rapaz! suspirou ele mentalmente. Dali foram os dois para o quarto, que era uma vasta sala, com três camas, cadeiras de todos os feitios, duas estantes com livros e uma secretária - vindo a ser, ao mesmo tempo, alcova e gabinete de estudo.
 O chá subiu daí a pouco. Estêvão, a muito rogo do hóspede, bebeu dois goles; acendeu um cigarro e entrou a passear ao longo do aposento, enquanto Luís Alves, preferindo um charuto e um sofá, acendeu o primeiro e estirou-se no segundo, cruzando beatificamente as mãos sobre o ventre e contemplando o bico das chinelas, com aquela placidez de um homem a quem não se gorou nenhum namoro. O silêncio não era completo; ouvia-se o rodar de carros que passavam fora; no aposento, porém, o único rumor era dos botins de Estêvão na palhinha do chão. 
 Cursavam esses dois moços a Academia de S. Paulo, estudando Luís Alves no quarto ano e Estêvão no terceiro. Conheceram-se na academia, e ficaram amigos íntimos, tanto quanto podiam sê-lo dois espíritos diferentes, ou talvez por isso mesmo que o eram. Estêvão, dotado de extrema sensibilidade, e não menor fraqueza de ânimo, afetuoso e bom, não daquela bondade varonil, que é apanágio de uma alma forte, mas dessa outra bondade mole e de cera, que vai à mercê de todas as circunstâncias, tinha, além de tudo isso, o infortúnio de trazer ainda sobre o nariz os óculos cor-de-rosa de suas virginais ilusões. Luís Alves via bem com os olhos da cara. Não era mau rapaz, mas tinha o seu grão de egoísmo, e se não era incapaz de afeições, sabia regê-las, moderá-las, e sobretudo guiá-las ao seu próprio interesse. Entre esses dois homens travara-se amizade íntima, nascida para um na simpatia, para o outro no costume. Eram eles os naturais confidentes um do outro, com a diferença de que Luís Alves dava menos do que recebia, e, ainda assim, nem tudo o que dava exprimia grande confiança. 
 Estêvão referira ao amigo, desde tempos, toda a história do amor, agora malogrado, suas esperanças, desalentos e glórias, e, enfim, o inesperado desfecho. O pobre rapaz, que folheava o capítulo mais delicioso do romance - no sentir dele -, caiu de toda a altura das ilusões na mais dura, prosaica e miserável realidade. 
 A namorada de Estêvão - é tempo de dizer alguma coisa dela - era uma moça de dezessete anos, e, por ora, simples aluna-professora no colégio de uma tia do nosso estudante, à Rua dos Inválidos. Estêvão tinha-a visto, pela primeira vez, seis meses antes, de desde logo sentiu-se preso por ela, "até à morte", disse ele ao amigo, referindo-lhe o encontro, o que o fez sorrir de tão estirado prazo. Qualquer que ele fosse, porém, o prazo fatal daquele cativeiro. a verdade é que Estêvão no mesmo ponto que a viu logo a amou, como se ama pela primeira vez na vida - amor um pouco estouvado mas sincero e puro. Amava-o ela? Estêvão dizia que sim, e devia crê-lo; alguns olhares ternos, meia dúzia de apertos de mão significativos, embora a largos intervalos, davam a entender que o coração de Guiomar - chamava-se Guiomar - não era surdo à paixão do acadêmico. Mas, fora disso, nada mais, ou pouco mais. 
 O pouco mais foi uma flor, não colhida do pé em toda a original frescura, mas já murcha e sem cheiro, e não dada, senão pedida.
 - Faz-me um favor? - disse um dia Estêvão apontando para a flor que ela trazia nos cabelos; - esta flor está murcha, e naturalmente, vai deitá-la fora ao despentear-se, eu desejava que ma desse. 
 Guiomar, sorrindo, tirou a flor do cabelo, e deu-lha; Estêvão recebeu-a com igual contentamento ao que teria se lhe antecipassem o seu quinhão do céu. Além da flor, e para suprir as cartas, que não havia, nada mais obtivera Estêvão durante aqueles seis compridos meses, a não serem os tais olhares, que afinal são olhares e vão-se com os olhos donde vieram. Era aquilo amor, capricho passatempo ou que outra coisa era?
 Naquela tarde, a tarde fatal, estando ambos a sós, o que era raro e difícil, disse-lhe ele que em breve ia voltar para S. Paulo, levando consigo a imagem dela, e pedindo-lhe em câmbio, que uma vez ao menos lhe escrevesse. Guiomar franziu a testa e fitou nele o seu magnífico par de olhos castanhos, com tanta irritação e dignidade, que o pobre rapaz ficou atônito e perplexo. Imagina-se a angústia dele diante do silêncio que reinou entre ambos por alguns segundos; o que se não imagina é a dor que o prostrou - a dor e o espanto - quando ela, erguendo-se da cadeira em que estava, lhe respondeu, dizendo:
 - Esqueça-se disso.
 - Pois quanto a mim - disse Luís Alves ouvindo pela terceira vez a narração de tão cru desenlace; - quanto a mim obedecia-lhe pontualmente, esquecia-me disso e ia curar-me em cima dos compêndios; Direito Romano e Filosofia, não conheço remédio melhor para tais achaques. 
 Estêvão não ouvia as palavras do amigo; estava então assentado na cama, com os cotovelos fincados nas pernas, e a cabeça metida nas mãos, parecendo que chorava. A princípio chorou em silêncio; mas não tardou que Luís Alves o visse deitar-se na cama, estorcer-se convulsivamente, a soluçar, a abafar o quanto podia os gritos que lhe saíam do peito, a puxar os cabelos, a pedir a morte, tudo entremeado com o nome de Guiomar, tão d'alma tudo aquilo, tão lastimosamente natural, que enfim o comoveu, e não houve remédio senão dizer-lhe algumas palavras de conforto. A consolação veio a tempo; a dor, chegada ao paroxismo, declinou pouco a pouco, e as lágrimas estancaram, ao menos por algum tempo. 
 - Sei que tudo isto há de parecer-te ridículo - disse Estêvão sentando-se na cama - mas que queres tu? Eu vivia na persuasão de que era amado, e era-o talvez. Por isso mesmo não entendo o que se passou hoje. Ou o que eu supunha ser amor não passava talvez de passatempo ou zombaria... 
 - Talvez, talvez - interrompeu Luís Alves, compreendendo-lhe que o melhor meio de o curar do amor era meter-lhe em brios o amor-próprio.
 Estêvão ficou alguns instantes pensativo. 
 - Não, não é possível - contestou ele. - Tu não a conheces. É uma grave e nobre criatura, incapaz de conceber um sentimento desses, que seria vulgar ou cruel. 
 - As mulheres...
 (...) 
 - Dá tempo ao tempo. - respondeu Luís Alves. - E ainda te hás de rir dos teus planos de ontem. Sobretudo, agradece ao destino de o haveres escapado tão depressa. E queres um conselho?
 - Dize.
 - O amor é uma carta, mais ou menos longa, escrita em papel velino, corte dourado, muito cheiroso e catita; carta de parabéns quando se lê, carta de pêsames quando se acabou de ler. Tu que chegaste ao fim, põe a epístola no fundo da gaveta, e não te lembres de ir ver se ela tem um post-scriptum...
 Estêvão aplaudiu a metáfora com um sorriso de bom agouro.
 Duas vezes viu ele a formosa Guiomar, antes de seguir para S. Paulo. Da primeira sentiu-se ainda abalado, porque a ferida não cicatrizara de todo; da segunda, pôde encará-la sem perturbação. Era melhor - mais romântico, pelo menos, que eu o pusesse a caminho da academia, com o desespero no coração, lavado em lágrimas, ou a bebê-las em silêncio, como lhe pedia a dignidade de homem. Mas que lhe hei eu de fazer? Ele foi daqui com os olhos enxutos, distraindo-se dos tédios da viagem com alguma pilhéria de rapaz - rapaz outra vez, como dantes. 


ASSIS, Joaquim Maria Machado de. O fim da carta. In: A mão e a luva. Reimpressão. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007. pp. 15-22.

21/09/2011

A Arthur Rimbaud - Paul Verlaine


Mortel, ange ET démon, autant dire Rimbaud, 
Tu mérites la prime place en ce mien livre, 
Bien que tel sot grimaud t'ait traité de ribaud
Imberbe et de monstre en herbe et de potache ivre.


Les spirales d'encens et les accords de luth
Signalent ton entrée au temple de mémoire
Et ton nom radieux chantera dans la gloire,
Parce que tu m'aimas ainsi qu'il le fallut.


Les femmes te verront, grand jeune homme très fort,
Très beau d'une beauté paysanne et rusée,
Très désirable d'une indolence qu'osée!


L'histoire t'a sculpté triomphant de la mort
Et jusqu'aux purs excès jouissant de la vie,
Tes pieds blancs posés sur la tête d'Envie!




Mortal, anjo E demônio, ou melhor, Rimbaud,
Teu lugar no meu livro é o primeiro como um prêmio;
Tu que um bobo escritor um dia esculhambou
Te achando um debochado imberbe, um verme, boêmio.


As espirais de incenso e os acordes do alaúde,
Saúdam tua chegada ao templo da memória,
Onde teu nome esplêndido soará em glória,
Pois me amavas, se preciso, até a plenitude.


Serás para as mulheres, sempre, belo e forte,
De uma beleza assim, agreste e sedutora,
Tão cobiçada quanto desvanecedora!


E a história te erguerá triunfante da morte,
P'ra que, apesar de toda a lama, o mundo veja
Teus pés intactos sobre a cabeça da Inveja!


Tradução de José Machado Sobrinho.

Iluminações - Jean-Nicholas Arthur Rimbaud



Iluminações (Extratos)


«(...) 


Carta Dita do Vidente


Rimbaud a Paul Demeny
Charleville, 15 de Maio de 1871.


Resolvi lhe dar uma hora de literatura nova; começo imediatamente com um salmo de atualidade:


Canto de Guerra Parisiense


A Primavera é evidente
Pois do coração das Propriedades verdes
O voo de Thiers e de Picard
Deixa seus esplendores bem em frente! 


Ô Maio! que delirantes anjinhos!
Sèvres, Meudon, Bagneux, Asnières,
Ouçam os bem-vindos contra Paris
Semear coisas primaveris!


Eles têm quepe, espada e tambor
Não a velha caixa de velas
E suas canoas sem temor
Cruzam o lago de águas vermelhas!


Mais do que nunca somos devassos
Quando caem em nossos lares
As bombas amarelos aços
Nas madrugadas particulares!


Thiers e Picard são amores
Que colhem girassóis 
Com petróleo pintam Corots
Suas tropas zumbem nos paióis...


São amigos do grande truque
E deitado nas flores, Favre
Corta cebolas para chorar, 
Cheira pimenta e mostra o muque!


A grande cidade tem a rua quente
Apesar das duchas de petróleo
E realmente precisaremos
Sacudir o vosso espólio...


E os Rurais descansando
Agachados ou de quatro,
Ainda ouvirão galhos quebrando
Nos vermelhos combates!


- Eis alguma prosa sobre o futuro da poesia - (...) O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o seu próprio conhecimento, inteiro; ele procura a sua alma, a inspeciona, a tenta, a aprende. Quando a sabe, deve cultivá-la; isto parece simples: em todo cérebro há um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores; há bem outros que se atribuem o seu progresso intelectual! - Mas se trata de fazer a alma monstruosa: como os comprachicos, pois! (...) 
Digo que é preciso ser vidente, se fazer vidente. 
O Poeta se faz vidente através de um longo, imenso e refletido desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para só guardar as quintessências. Indizível tortura onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, - e o supremo Sábio! - Pois ele chega ao desconhecido! Porque ele cultivou a sua alma, já mais rica do que nenhum! (...)Portanto o poeta é mesmo um ladrão de fogo. 
Ele é encarregado da humanidade, dos animais até; ele deverá fazer sentir, apalpar, escutar as suas invenções; se o que ele traz de tem forma, ele dá forma; se é informe, ele dá informe. Encontrar uma língua;
- De resto, toda palavra sendo ideia, o tempo de uma linguagem universal virá! (...) Esta língua será alma para alma, resumindo tudo, perfumes, sons, cores, pensamento agarrando o pensamento e puxando. O poeta definiria a quantidade de desconhecido nascendo em seu tempo na alma universal: ele daria mais - que a fórmula de seu pensamento, que a partitura de sua marcha ao Progresso! Enormidade que se torna norma, absorvida por todos, ele seria mesmo um multiplicador de progresso! (...)
A arte eterna teria as suas funções, como os poetas são cidadãos. A Poesia não ritmará mais a ação, ela estará na frente.
Estes poetas serão! Quando será derrubada a infinita servidão da mulher, quando ela viverá para ela e por ela, o homem, - até agora abominável - tendo-a despedida, ela será poeta, ela também! A mulher descobrirá desconhecido! Seus mundos de ideia divergirão dos nossos? Ela encontrará coisas estranhas, insondáveis, repugnantes, deliciosas; nós as teremos, nós as entenderemos.»



20/09/2011

Synagogue Kahal Zur Israel - The First in the Americas


Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco


Os Judeus Portugueses na Formação da América (2ª parte de 2)


Os Judeus Portugueses na Formação da América (1ª parte de 2)


Caminhos da memória - trajetória dos judeus em portugal Parte 1


Tarkan-Uzak


19/09/2011

A Épica Portuguesa no séc. XVI - Fidelino de Figueiredo


«CAPITULO DECIMO QUINTO
ANTONIO FERREIRA E A IDEA FIXA DA EPOPEA

 A pequena obra deste poeta é um documento importante para a história do convivio litterario na primeira metade do seculo XVI, para a reconstituição da ideologia moral e esthetica que enchia o espirito dum renascentista português do grande seculo e tambem para a historia da critica litteraria, por conter discussão de valores e affirmação de technicas e de methodos de trabalho. Sob este ultimo aspecto já a utilisei na monographia que em 1910 redigi ácerca da historia da critica em Portugal.
 Muito poucas, mas muito firmes ideas enchem a obrinha de Ferreira: louvor da lingua portuguesa e necessidade e dever de a cultivar e preferir a todas; panegyrico e pintura da ideal belleza e do ideal amor; dôr da perda desse alvo do amor platonico e desse modelo de debuxo; queixas contra a publica indifferença pela poesia; elogio da simplicidade e da vida retirada, e, em reacção ou contra-partida, caloroso encomio da vida heroica; conselhos de moderação, sabedoria e justiça aos reis e aos collaboradores da governação publica; e exhortações aos poetas amigos para que entoem cantos à gloria portuguesa.
 Verdadeiramente estes conceitos da opportunidade da poesia heroica, para a qual repetidamente se confessa inapto, da abundancia de themas nacionaes, da alta funcção da poesia heroica tida por suprema recompensa e poderoso estimulo de novos emprehendimentos foram em Ferreira ideas fixas. Rastreemo-las nos seus versos.
 No soneto XXIX do livro II, lamentando o olvido em que jaziam os grandes nomes de Portugal, congratula-se pelo apparecimento dum cantor dessas glorias:

Eis que já vos nasceu hum novo sprito
De cuja voz sereis no Mundo ouvidos,
Por cuja mão sayreis da sepultura.

Duas vidas, dous lumes concedidos
Vos são, de que alça a fama immortal grito.
Vida no verso, vida na pintura.
 (Pag. 40 do 1º vol. da ed. de 1829.)

 Quem seria este "novo sprito"? Ocorre o nome de Jeronymo Côrte-Real, que foi poeta e pintor.
 Sentimento quasi analogo se expressa na ode I do livro I, imitada do Livro III, de Horacio:

 Fuja daqui o odioso
 Profano vulgo, eu canto
 As brandas Musas, a hus spritos dados
 Dos ceos ao novo canto
 Heroico e generoso
 Nunca ouvido dos nossos bõs passados.
 Neste sejam cantados
 Altos Reys, altos feitos,
 Costume-se este ar nosso á lira nova.
 Acendei vossos peitos,
 Ingenhos bem criados,
 Do fogo, qu'o Mundo outra vez renova.
 Cad'um faça alta prova
 De seu sprito em tantas
 Portuguesas conquistas, e victorias,
 De que ledo t'espantas,
 Oceano, e dás por nova
 Do Mundo ao mesmo Mundo altas historias.
 (Ibidem, pag. 111.)

 Na ode I do livro II annuncia jubilosamente ao infante D. Duarte, filho de D. Manuel I, que o poeta Pedro de Andrade Caminha se propõe celebra-lo:

 Serás escrito, e em alto som cantado
 Da grave e doce lira
 D'Andrade pera ti só dos Ceos dado,
 Que á gloria, a que já aspira,
 Igual favor lhe inspira
 Teu animo, Duarte,
 Planta real, honra de Apollo e Marte.
 Aos teus altos tropheus, que levantados  
 Com tanto espanto, e gloria  
 Já vejo; aos triumphaes arcos ornados
 Das prêsas de victoria
 Alta, e immortal memoria
 Dará, e vivo na terra
 Deixando teu grã nome em paz, e em guerra.
 (Ibidem, pag. 129.)

 Na ode VIII, do livro I, exhorta D. Antonio de Vasconcellos a glorificar no verso heroico os feitos portugueses:

 Té quando assi, cruel, o peito duro,
 Das nove irmãs morada
 Cerrarás, como ingrato ao dom divino?
 Té quando assi negada
 Do liquor doce e puro
 Nos será a copia, e parte igual devida
 Do lume, de que tu foste assi digno?
 Não te foy dada a vida,
 Não esse sprito aceso em alto fogo
 Para ti só; nosso he, o nosso queremos.
 Vença já o justo rogo
 Á dura força, Antonio, e restituida
 Nos seja a parte já do que em ti temos.
 Eu digo o canto teu, eu digo a lira,
 Que te dá o louro Apollo,
 Para honra sua e para gloria nossa,
 Que d'hum ao outro polo
 Soará; já te inspira
 Novo furor, ah solta o doce canto,
 Contra o qual nunca inveja, ou tempo passa!
 Tardas, cruel, e em tanto
 Altos Reys, altas armas perdem nome.
 Escruece-se o Amor, quem ha, qu'o abrande?
 Quem ha, qu'a cargo tome
 As victorias de fama, e eterno espanto
 Dos Reys passados, quaes Deos sempre mande?
 Altas victorias, em que tanta parte
 Tem inda os tão chegados
 Teus avós ao Real sangue, ás altas Quinas,
 De louro coroados
 Por mão do bravo Marte;
 Ah porque lhes serão por ti negadas
 As altas Rimas de seus nomes dignas?
 As bandeiras tomadas
 A Reys vencidos em tão justas guerras,
 Aquellas fortes mãos, que coroavam Reys grandes em suas terras
 Por ferro, e fogo de tão longe entradas  
 A ti seu sangue já s'encomendavam.
 Mas em quanto tua sorte te não chama
 Das armas á dureza.
 (Inda tempo virá) com as Musas paga
 Á antiga fortaleza
 Dos teus, á imortal fama
 Que por exemplo ao mundo sempre viva
 Contra a morte cruel, que tudo apaga;
 Outr'hora a chama viva,
 Qu'o cego moço, onde quer, acende,
 Com teus suaves versos nos abranda.
 E a que nos tanto offende
 Cruel aljaba sua lhe cattiva.
 Isto te pede Apollo, isto te manda.     
(Ibidem, pag. 126-28.) (...)»
  
FIGUEIREDO, Fidelino de. Antonio Ferreira e a idea fixa da epopea. In: A Épica Portuguesa no século XVI. Edição fac-similada com apresentação de Antônio Soares Amora. São Paulo: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1950. pp. 281-284.




Letícia Valle