Postagens Recentes

31/03/2013

meu pai, os livros e o Shabbat - Amós Oz


Livro de preces judaicas, Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira das Américas. Recife Antigo, Rua do Bom Jesus.

“Aconteceu por duas ou três vezes de não termos dinheiro para comprar os mantimentos para o shabat. Então minha mãe fitava meu pai bem nos olhos, e ele compreendia que era chegada a hora da escolha e se aproximava da estante de livros. Era um homem de sólidos princípios morais e sabia que o pão devia preceder os livros e que o mais importante de tudo devia ser o cuidado com o filho. Lembro-me bem de suas costas curvadas ao sair de casa, levando três ou quatro dos seus queridos livros. Com o coração apertado, ele ia à loja do sr. Meyer vender alguns exemplares valiosos como se os cortasse de sua própria carne. Assim curvadas certamente estavam as costas de Abraão ao sair de sua tenda de madrugada, carregando Isaac no ombro a caminho do monte Moriá.
Eu podia adivinhar seu sofrimento: meu pai tinha uma relação sensual com os livros. Gostava de apalpar, sentir, folhear, acariciar, cheirar. Era um insaciável caçador de livros, ia logo pegando e folheando, mesmo na biblioteca de desconhecidos. E a verdade é que os livros daquele tempo eram muito mais sensuais que os de hoje. Havia o que cheirar, e havia o que apalpar e acariciar. Havia livros com letras douradas gravadas sobre perfumadas encadernações de couro, levemente ásperas, cujo toque provocava arrepios na pele, como se você tocasse em algo oculto e desconhecido, algo que estremecesse um pouquinho ao toque dos dedos. E havia livros encadernados em cartão revestido de tecido, colados com uma cola de perfume extremamente voluptuoso. Cada livro tinha seu próprio odor secreto e excitante. Às vezes a encadernação de tecido se soltava um pouco do cartão, deixando entrever uma nesga, como uma saia muito curta, e era difícil resistir à tentação de dar uma espiada naquele espaço ensombrecido entre o corpo e a roupagem, e ali aspirar aquelas fragrâncias vertiginosas.” – Amós Oz, “De Amor e Trevas”. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 31. Tradução do hebraico de Milton Lando.

30/03/2013

Amós Oz



Amós Oz (1939-)
"A única coisa que tínhamos em abundância eram livros. Incontáveis, de parede a parede, no corredor, na cozinha, na entrada e em todos os peitoris. Milhares de livros em todos os cantos da casa. Havia um sentimento de que as pessoas vão e vêm, nascem e morrem, mas os livros são eternos. Quando eu era pequeno, queria ser livro quando crescesse. Não escritor de livros, livro mesmo. Gente se pode matar como formigas. Escritores também não são tão difíceis de matar. Mas os livros, mesmo se os destruirmos metodicamente, sempre há chance de sobrar algum, nem que seja apenas um exemplar, a continuar sua vida de prateleira, eterna, discreta e silenciosa em uma estante esquecida de alguma biblioteca remota em Reykjavik, em Valladolid ou em Vancouver." – Amós Oz, “De Amor e Trevas”. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. pp. 30-31. Tradução do hebraico por Milton Lando. 

26/03/2013

tempo de memória (António José Cravo)


tempo de memória

ribeira de pardelhas
                            ribeira de pardelhas

aqui sentei outrora sonhos
rasguei outras folhas com outra raiva

a memória enche este espaço

na ria os olhos gastam-se
iniciando uma viagem impossível
onde a saudade não tem lugar

o que fui
o seu tempo teve
o que sou
o mistério de estar de novo aqui
entrego ao sol
para que arda e morra e arda sempre

(António José Cravo) 

20/03/2013

20/03/1933 - Criação do primeiro campo de concentração na Alemanha, Dachau.


Hoje na História: 1933 - É criado o primeiro campo de concentração na Alemanha


A 15 quilômetros de Munique, Dachau recebeu mais de 200 mil detentos de 30 países

O campo de concentração de Dachau, criado em 20 de março de 1933, foi o primeiro criado pelo governo nazista alemão. Heinrich Himmler, chefe da polícia de Munique, descreveu-o oficialmente como “o primeiro campo de concentração para prisioneiros políticos”. Foi montado nas dependências de uma fábrica de munição abandonada, a cerca de 15 quilômetros ao noroeste de Munique, no sul da Alemanha.

Dachau serviu como protótipo e modelo para os outros campos. Tinha uma organização básica, com prédios desenhados pelo comandante Theodor Eicke. Dispunha de um campo distinto, perto do centro de comando, com salas de estar, administração e instalações para os soldados. Eicke ainda tornou-se o inspetor-chefe para todos os campos de concentração.




Cerca de 200 mil prisioneiros de mais de 30 países foram "hospedados" em Dachau, dos quais aproximadamente um terço era judeu. Acredita-se que mais de 35.600 prisioneiros foram mortos no campo, principalmente por doenças, má nutrição e suicídio. No começo de 1945, houve uma epidemia de tifo no local, seguida de uma evacuação em massa, dizimando boa parte dos prisioneiros.

Ao lado de Auschwitz-Birkenau, Dachau tornou-se um símbolo de campo de concentração nazista. KZ Dachau tem um significado bastante forte na memória pública porque foi o segundo campo a ser liberado pelas forças aliadas anglo-americanas. O primeiro havia sido Auschwitz, libertado pelo Exército Vermelho. Ambos expuseram aos olhos do mundo a realidade da brutalidade nazista.

Dachau foi dividido em duas seções: a área do campo e o crematório. A área do campo consistia em 32 barracas, incluindo uma para o clero aprisionado e os opositores do regime nazista e outro reservado para os experimentos médicos. O pátio entre a prisão e a cozinha central foi usado para a execução sumária de prisioneiros. Uma cerca elétrica de arame farpado, uma vala e um muro com torres de observação rodeavam o campo.

No começo de 1937, as SS, usando a mão de obra dos prisioneiros, iniciaram a construção de uma grande rede de prédios nos fundos do campo original. Os prisioneiros eram forçados, sob terríveis condições, ao trabalho, começando com a destruição das velhas fábricas de munição. A construção se deu por concluída em meados de agosto de 1938.

Dachau foi o campo mais ativo durante o Terceiro Reich. A área incluía ainda outras fábricas da SS, uma escola de economia e serviço civil e a escola médica dos SS. O campo, chamado de "campo de custódia", ocupava menos da metade de toda a área.




[Prisioneiros no dia da rendição]
Em 27 de abril de 1945, Victor Maurer, delegado do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, foi autorizado a entrar nos campos e distribuir comida. Na noite do mesmo dia, um transporte de prisioneiros chegou de Buchenwald. Somente 800 sobreviventes foram trazidos, dos aproximadamente 4.500. Mais de 2.300 cadáveres foram deixados dentro e em torno do trem. O último comandante do campo, Obersturmbannführer (Tenente-Coronel) Eduard Weiter, fugiu em 26 de abril.

Em 28 de abril de 1945, o dia anterior à rendição, Martin Weiss, que comandara o campo de setembro de 1942 até novembro de 1943, deixou Dachau juntamente com a maioria dos guardas e administradores do campo.

Maurer tentou persuadir o  tenente Johannes Otto, ajudante do comandante Weiss, a não abandonar o campo, mantendo guardas para controlar os prisioneiros até que os norte-americanos chegassem. Ele temia que os prisioneiros pudessem fugir em massa e espalhar a epidemia de tifo.

Um dia depois, foi hasteada uma bandeira branca na torre do campo.


Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/27909/hoje+na+historia+1933+-+e+criado+o+primeiro+campo+de+concentracao+na+alemanha.shtml

Il Postino #2



De cima para baixo:
Vol. 1 - Les bêtises du Petit Nicolas;
Vol. 2 - Le Petit Nicolas Voyage;
Vol. 3 - La rentrée du Petit Nicolas;
Vol. 4 - Le Petit Nicolas et ses voisins;
Vol. 5 - Les Surprises du Petit Nicolas;
Vol. 6 - Le Petit Nicolas s'amuse;
Vol. 7 - Le Petit Nicolas, c'est Noël!
Vol. 8 - Les bagarres du Petit Nicolas








                      











19/03/2013

Estreia de "A Menina que Roubava Livros" - 2014



3 PERGUNTAS PARA MARKUS ZUSAK, O AUTOR DE A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS





Markus Zusak por Bronwyn Rennix
Encenado no teatro pela primeira vez no ano passado, o livro A menina que roubava livrosde Markus Zusak, há 280 semanas na lista de best-sellers do New York Times, está perto de estrear no cinema.
Em primeira mão, Zusak nos contou as impressões de assistir a seus personagens ganharem vida na aclamada montagem da companhia de teatro Steppenwolf, de Chicago, e as expectativas para o filme. Com estreia prevista para 2014, a adaptação cinematográfica será dirigida por Brian Percival (Downton Abbeye estrelada por Sophie Nélisse (Liesel Meminger), Geoffrey Rush e Emily Watson. As filmagens já começaram em Berlim.

Cena da peça A menina que roubava livros. Foto: Kristyna Archer para o jornal The New York Times
Intrínseca — Recentemente, A menina que roubava livros foi adaptado para o teatro em uma montagem encenada em Chicago. Como você se sentiu ao ver Liesel, Rudy e Hubermanns ganharem vida? Como o desafio de ter a Morte como narradora foi resolvido?
Markus Zusak — A montagem, produzida pela companhia teatral Steppenwolf, foi realmente especial. No começo pensei que seria difícil de assistir, porque, de repente, está tudo lá, bem na sua frente. Diferentemente de como acontece com os livros, no teatro você não precisa imaginar. Eu estava preocupado se certas cenas iriam funcionar tão bem no palco como eu as havia imaginado no livro. Mas a peça é linda. E fez com que eu e os personagens nos orgulhássemos.
Quanto à Morte, a narradora, ela foi interpretada por um homem mais velho – uma personagem educada e cordial, mas que lidava muito bem com o seu trabalho…

Emily Watson, Sophie Nélisse e Geoffrey Rush.
I — Depois de seis anos o seu livro está sendo adaptado para o cinema. Você está participando da produção e da elaboração do roteiro de alguma forma? Quais são as suas expectativas com relação ao filme? O que você acha do elenco que foi definido?
MZ — Se alguém me dissesse, quando o livro foi negociado para o cinema, que Geoffrey Rush e Emily Watson seriam escolhidos para atuar no filme e que contratariam um grande diretor, eu teria achado graça. Estou muito entusiasmado. Não tinha como contribuir com o roteiro, além de lê-lo e de dar algumas sugestões, mas posso levar algum crédito por Sophie Nélisse, a atriz que interpretará Liesel. Eu a vi no filme Monsieur Lazhar e pensei: “Ela seria uma ótima Liesel.” E quando a sugeri aos produtores, eles logo a procuraram e ela acabou conseguindo o papel. Tenho certeza de que Nélisse se transformará completamente em Liesel e a tornará maravilhosa.
Sobre as expectativas: agora não tenho nenhuma. Estou tentando não pensar sobre isso e me concentrar para, finalmente, terminar meu livro novo!
I — Lionel Shriver, autora de Precisamos falar sobre o Kevin, disse certa vez que vender os direitos de um livro para Hollywood é como vender a alma ao diabo — o resultado (bom ou ruim) não é de responsabilidade do escritor e se torna um produto totalmente diferente. Você concorda com esta afirmação?
MZ — Concordo que é bom você praticamente lavar as mãos e dizer: “Bem, agora é com você.” Para mim, porém, é mais como dar algo aos seus irmãos — alguém que é semelhante a você em alguns aspectos, mas totalmente diferente em outros. Você os ama, mas não tem certeza do que eles farão — e dá essa chance a eles de qualquer forma. Você confia a obra a eles porque sabe que o resultado pode ser brilhante.

16/03/2013

Il Postino #1



Volume 1 da coleção Le Petit Nicolas, de René Goscinny. Ilustrações de Sempé.
Editora Folio France.14/03/2013. 







16/03/2013.


18/03/2013


20/03/2013


  Inaugurando a coluna de correio, recebi dia 14 o primeiro volume desta série, escrita na década de 50 por René Goscinny, o conhecido autor de Astérix e Obélix. Por indicação da professora de francês, que esta semana passou na classe episódios do desenho animado de mesmo nome, do ano de 2009, comprei para me acostumar à leitura. 
  Narrada por Nicolas, um garoto divertido e esperto, conta o cotidiano com sua família, seus amigos, a escola, e as suas aventuras e férias. É muito falada como indicada para crianças, mas para quem quer aprender o francês ou é adolescente, adulto, e gosta de histórias leves e engraçadas, é altamente recomendável.
  O texto, em francês corrente, é de fácil compreensão, com ilustrações feitas por Jean-Jacques Sempé, que são o maior presente ao leitor, representando todo o núcleo e dando o toque de graça. Um livro curto, 160 páginas de diversão e aprendizado, com Nicolas; Maman; Papa; Mémé (vovó); la maîtresse (a professora); Monsieur le Directeur (o diretor); le Bouillon (como os garotos chamam o Supervisor); Alceste, o comilão da classe; Eudes; Rufus; Geoffroy, qui a toujours ce qu'il veut; Agnan, o ''chouchou", o queridinho da professora; Clotaire, o último da classe, e muitos outros personagens.
  Além dos seis volumes publicados, há ainda as histórias inéditas, que não foram publicadas por Goscinny na época em que foram escritas. 
  Há também um filme, de 2009, estrelado por Maxime Godart. Aqui no Brasil, as histórias são publicadas com o título O Pequeno Nicolau. Ça, c'est très chouette, ça, comme dit Le Petit Nicolas! =) 

Livros da série: 
1. Le Petit Nicolas;
2. Les Vacances du Petit Nicolas;
3. Les Nouvelles Aventures du Petit Nicolas;
4. Le Petit Nicolas et ses copains;
5. Les récrés du Petit Nicolas.
6. Le Petit Nicolas a des Ennuis.

Histórias Inéditas:

- Le Petit Nicolas s'amuse;
- La rentrée du Petit Nicolas;
-  Les bêtises du Petit Nicolas;
- Le Petit Nicolas, c'est Noël.
(...) 


                               












10/03/2013

Colóquio "Escritoras brasileiras em Portugal" na BNP


COLÓQUIO “ESCRITORAS BRASILEIRAS EM PORTUGAL” NA BIBLIOTECA NACIONAL
No âmbito das comemorações do Ano Brasil / Portugal, a Biblioteca Nacional de Portugal - BNP organiza no dia 11 de Março o colóquio “Escritoras Brasileiras em Portugal”, que integra ainda uma mostra bibliográfica sobre “Escritoras Brasileiras editadas em Portugal”.



O evento que conta com o apoio da Embaixada do Brasil em Portugal, do CLEPUL (Universidade de Lisboa), do CESNOVA (Universidade Nova de Lisboa) e do Mestrado em Estudos Brasileiros (FLUL-ICS), realizar-se-á pelas 17 horas, no Auditório da BNP, em Lisboa.

O colóquio conta com as intervenções de Arnaldo Saraiva (Universidade do Porto), Ana Maria Lisboa de Mello (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Maria Aparecida Ribeiro (Universidade de Coimbra), Abel Barros Batista (Universidade Nova de Lisboa) e Alva Martínez (Universidade de Lisboa) que falarão respectivamente sobre: “A edição de escritoras brasileiras em Portugal”, “Ligações indissolúveis de Cecília Meirelles a Portugal”, “A sertaneja que não quis tradução: Rachel de Queiroz e a Livros do Brasil”, “Laços de Clarice” e “Um paraíso desabitado: a terra devastada da Utopia no teatro de Hilda Hilst”.

A mostra, que será inaugurada no mesmo dia e estará patente até dia 4 de Maio, é coordenada por Isabel Lousada e Gina Rafael,  e será dedicada às edições portuguesas de cerca de 70 escritoras  brasileiras, existentes na colecção da BNP, representativas da produção da escrita  feminina brasileira do século XVIII até ao presente, desde as  “Aventuras de Diófanes, imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco” (1777),  de Teresa Margarida da Silva e Orta (1712-1793), até à mais recente edição, de 2012,  a obra “Nada a dizer”, de Elvira Vigna.

Para mais informações sobre a programação, consulte aqui o site da BNP.

 através do Twitter de Cena Lusófona: @CenaLusofona

A 9 de Março de 1500 partiu de Lisboa



A 9 de março de 1500 terá partido de Lisboa, a frota que haveria de descobrir o Brasil a 22 de abril de 1500. Aproveitamos para divulgar um documento, assinado por Pedro Álvares Cabral, http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4611084 pertencente à coleção “Fragmentos” http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4185711 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo

A ARTE DA XÁVEGA EM PORTUGAL


compartilhado do meu blog "O Chão de Sal de Macau", através de ahcravo's blog, no WordPress. 

xávega, não a matem


Rate This

a xávega nas estradas de portugal
a xávega nas estradas de portugal
não há muitos dias deparei-me, no quiosque de uma estação de serviço, com um exemplar do mapa de estradas de portugal, 2013, e que tinha no rosto a foto anexa.
o barco, s. paio, foi um dos últimos barcos movido só a remos da praia da torreira e um dos primeiros a utilizar motor (o outro foi o óscar miguel, do arrais joão da calada). o proprietário era o arrais manel fumante, de seu nome manuel maria da cunha, e a companha terá trabalhado até por volta de 1995 – segundo informações de joão da calada.
é este o portugal onde vivo. no momento em que o governo, com a informação muito subtilmente passada na comunicação social de que irá deixar de ser possível comercializar peixe miúdo, nomeadamente o jaquinzinho ou carapau pipi, decreta a condenação desta arte de pesca, a sua imagem é utilizada para promover o país.
a xávega, embora já sem os bois, continua a ser uma arte de pesca praticada num único país do mundo: portugal. a beleza e a dureza da faina fazem parte da nossa memória colectiva e são um emblema dos pescadores portugueses e de todo um povo.
obedecendo a todas as normas legais, nacionais e europeias, a malhagem das redes da xávega continua a trazer carapau com tamanho inferior ao determinado pela união europeia para a costa atlântica, muito maior que o permitido para o mediterrâneo – nós pescamos carapau no atlântico e os espanhóis no mediterrâneo !!!!!!!!!! (não).
não querendo aqui falar de outras embarcações que se dedicam, ao longo da costa e ao largo, à pesca do carapau, seria bom dizer que o carapau miúdo capturado pelas xávegas, tem um defeito: é visível, fica ali na areia aos olhos de quem por perto esteja e dos fiscais atentos. já os do alto ……
sempre foi tradição entre os arrais da xávega, até para salvaguardar a sua sobrevivência, que, se no primeiro lanço do dia só viesse carapau miúdo, não se faria mais nenhum lanço até depois do almoço, e que se se voltasse a repetir a abundância do mesmo carapau, a pesca nesse dia era suspensa. o peixe era vendido e, embora não desse muito, sempre dava algum para a companha.
em 2012, sabe-se lá porquê, as autoridades resolveram começar a exercer uma fiscalização exacerbada em todas as praias onde ainda existem companhas de xávega e a controlar de forma apertada os tamanhos do carapau – tudo o que fosse menos de 12cm tinha de ser enterrado na areia, deitado ao mar, ou, se apreendido, depois de aplicadas as respectivas coimas, lixiviado e destruído.
note-se que estamos muito acima do tamanho dos jaquinzinhos e na dimensão do carapau que “habitualmente” é capturado pelas companhas, impedir a sua comercialização é impedir a manutenção da xávega como arte de pesca e forma de subsistência de muitas famílias.
com tanta gente a passar fome, isto é no mínimo um atentado à consciência de qualquer um. ainda se o peixe ao ser devolvido ao mar continuasse vivo…. mas tal é impossível: peixe na praia é peixe morto ou condenado a tal.
mas, nas grandes superfícies, lá estão à venda os jaquinzinhos! claro que com etiqueta espanhola, como a medida no mediterrâneo é menor…..
dizem alguns que a xávega, ao efectuar estas capturas, põe em causa a sustentabilidade da fileira do carapau na nossa zona de pesca exlusiva, mas se nem sequer esgotámos, em 2012, a quota imposta pela união europeia para o carapau, como é possível que a sua sustentabilidade esteja em causa?
a associação portuguesa de xávega, criada em novembro de 2012, que representa todas as companhas da nossa costa, tem vindo a desenvolver iniciativas, junto do governo e do parlamento, para que esta situação seja alterada e se mantenha a capacidade de subsistência desta forma secular de pesca e uma das maiores atracções turísticas das praias da costa ocidental portuguesa.
é pois tempo de apoiar todas as acções que conduzam a uma reavaliação das normas aplicadas às capturas da xávega e deixar para outras calendas as discussões teóricas sobre designações de artes e barcos.
enquanto descendente de pescadores da xávega (ou chamem-lhe o que quiserem) e admirador destes homens e mulheres que teimam, sem qualquer apoio, em continuar a ganhar o pão com os saberes herdados dos seus antepassados, queria deixar aqui o meu apelo a todos os que andam distraídos em guerras de emails e outras, sobre denominações e terminologias, que o importante neste momento não é de como se chama, é de como se continua.
diria um pescador: quantas vezes mais fácil é defrontar o mar do que convencer os homens.


09/03/2013

escrever-te (António José Cravo)



de passagem
de passagem
escrever no
tempo que
me escreve

ser aqui
apenas
este sentir
tanto
enquanto
tempo meu
houver

pescar
palavras
no mar
dos dias
onde

escrever no
tempo que
me escreve

escrever-te

08/03/2013

Almeida Faria sobre Ariano Suassuna


Almeida Faria (centro) e Ariano Suassuna (dir.) na palestra sobre Utopia, Messianismo e Sebastianismo. VIII Fliporto - Olinda, Pernambuco, Brasil. 16/11/2012. 

                                     A espera cíclica de uma solução 
O escritor português Almeida Faria conversou com o blog literário e nos falou da sua admiração por Ariano Suassuna, que estará ao seu lado numa das mesas da Fliporto e da força da expressão “sebastianismo” no mundo atual.
1 – O senhor poderia falar um pouco da sua impressão em relação à obra de Ariano Suassuna, que estará ao seu lado numa das mesas da Fliporto?
 - A minha relação com a obra de Suassuna começou vai para meio século e vem progredindo por saltos e acasos. Em mil novecentos e sessenta e quatro, por um golpe de sorte, descobri num alfarrabista da Rua do Poço dos Negros, em Lisboa,Uma Mulher Vestida de Sol, sua primeira peça. O poético título, inspirado noApocalipse, levou-me a comprar sem hesitar aquela edição da Universidade do Recife, de capa amarelo torrado, com um sol vermelho baço sobre fundo acastanhado.
Tinha eu vinte e poucos anos, publicara dois romances e sonhava escrever teatro. Porém, no Portugal de então, havia um óbice capaz de desencorajar quaisquer veleidades teatrais: a imprensa periódica, o cinema e o teatro eram submetidos a uma férrea Censura Prévia. A ditadura de Salazar achava que, num país maioritariamente analfabeto, mais perigosos e potencialmente mais subversivos que os livros eram alguns espectáculos. Autores como Sartre, Peter Weiss e outros não eram encenáveis nem, nalguns casos, publicáveis. Assim se explica que boa parte da minha geração desconhecesse Suassuna até ao sucesso doAuto da Compadecida. O qual, graças às mil maravilhas do You Tube, vi no meu computador.
Por uma dessas coincidências que o surpreendente espectáculo da vida por vezes nos reserva, há anos viajei com Selton Mello, o Chicó pícaro da mais recente versão do Auto da Compadecida, num voo São Paulo-Rio. Ambos tínhamos assistido na véspera, em São Paulo, à antestreia de Lavoura Arcaica, filme baseado no romance de Raduan Nassar, amigo de longa data, em que Selton era o protagonista.
Das muitas peças de Suassuna, li mais três além da primeira: O Santo e a Porca,na qual Santo António, o casamenteiro de Lisboa ou de Pádua (tanto faz) é um excelente exemplo de „graça e astúcia cabocla“ (palavras de Carlos Drummond de Andrade); O Casamento Suspeitoso; e, enfim, A Pena e a Lei.
Em mil novecentos e sessenta e oito, sendo eu escritor residente nos Estados Unidos, palestrei em diversas universidades e numa delas conheci um bem disposto professor brasileiro que me contou como começara a sua fugaz carreira teatral encarnando a personagem de Joaquim na montagem inicial de A Pena e a Lei no Teatro do Parque, aqui ao lado.
Nos anos setenta comprei o Romance d´A PEDRA DO REINO e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, cuja epígrafe de abertura é uma frase atribuída a „DOM SEBASTIÃO, O DESEJADO – Rei de Portugal, do Brasil e do Sertão“. As maiúsculas do título e da epígrafe não são minhas, são da edição original que anotei e sublinhei.
Estas sucessivas aproximações às ficções de Suassuna dão-me a impressão de conhecê-lo já há décadas. Na verdade, nunca nos encontrámos.
- Em que medida a expressão “sebastianismo” ainda decifra o povo português ou mesmo o brasileiro, já que tivemos movimentos de sebastianismo ao longo da nossa história?
- Não sei se "decifra" ou não. Quanto aos portugueses, o sebastianismo é uma forma de messianismo, é a espera cíclica de uma solução vinda de fora, uma frágil fé ou esperança a que nos agarramos em momentos de aflição. D. Sebastião foi um pobre-diabo e uma figura trágica. O príncipe D. João, seu pai, morreu aos dezasseis anos, antes mesmo de o filho nascer. A mãe, Dª Joana de Áustria, filha do imperador Carlos V e portanto irmã de Felipe II, rei de Espanha, casou aos dezanove anos e ficou viúva menos de um ano depois. Cumprido o dever de dar um herdeiro à coroa portuguesa, regressou a Madrid onde fundou o mosteiro das Descalças Reais para ela própria e nele viveu até morrer. Nunca mais viu o filho. Já em criança cognominado o Desejado, órfão de pai e abandonado pela mãe, D. Sebastião foi educado pelos jesuítas e pela avó, Dª Catarina de Áustria, num caldo cultural que o levou a sonhar ser um herói, virgem como Galahad e imortal como outros cavaleiros da Távola Redonda. Tinha vinte e quatro anos quando, para escapar à obrigação de casar, decidiu sem mais nem quê ir atacar os “infiéis” no Norte de África Em Agosto de 1578, após uma viagem em centenas de barcos, à frente de um exército parcialmente formado por milhares de mercenários de toda a Europa, o incauto rei, perseguindo o “inimigo” que fingia fugir dele, avançou deserto a dentro. Sob um sol fulminante, com homens e cavalos sequiosos, exaustos, num lugar chamado Alcácer Quibir, os cristãos foram em poucas horas massacrados e o rei nunca mais foi visto. Alguns dos grandes do reino, distinguíveis pela riqueza das armas e armaduras, e pela raça e jaezes dos cavalos, foram poupados a fim de serem trocados por rendosos resgates. Como a nobreza devia morrer pelo rei ou com o rei, os sobreviventes fizeram constar que o rei desaparecera, que se tornara Encoberto e iria voltar. O país inteiro ficou à espera dele. Sem filhos nem irmãos, o seu sucessor mais próximo era o tio e primo em segundo grau, Felipe II, rei de Espanha e de um mundo “onde o sol nunca se punha”. Melhor que eu aqui em duas linhas, o poeta Hans Magnus Enzensberger conta aliás esta história sebástica, em discurso direto que me é atribuído, num dos brilhantes ensaios de Ach Europa! (A Outra Europa. Impressões de sete países europeus, com um epílogo de 2006, na edição brasileira da Companhia das Letras). O primeiro profeta do Encoberto foi o visionário Bandarra, um sapateiro nascido em Trancoso no ano em que os portugueses chegaram ao Brasil. Retomando a lenda céltica de um rei adormecido numa ilha envolta em névoa, publicou as Trovas anunciando a vinda do rei Encoberto. Naqueles turvos tempos de Contra- Reforma, boa parte da Igreja Católica preferia a santa ignorância, e quem conhecesse um pouco do Antigo Testamento era suspeito. Acusado de judaísmo, o sapateiro foi preso e levado, em 1541, numa das sinistras procissões que antecediam os autos-da-fé. Não se sabe porquê, escapou à fogueira. No século seguinte surgiu o missionário do sebastianismo, aquele luso-brasileiro Padre Vieira a quem Fernando Pessoa chamou “imperador da língua portuguesa”. Igualmente perseguido e preso pela Inquisição, valeu-lhe a proteção do rei, que o mandou em secretas e delicadas tarefas diplomáticas à Holanda e a Roma. Regressado a Portugal, teve o cuidado de deixar inédito o magno tratado milenarista e bíblico intitulado História do Futuro. Mais perto de nós, o mito encontrou o seu mais inspirado defensor em Fernando Pessoa, que põe na boca do Desejado a defesa da sua orgulhosa loucura:
Louco, sim, louco porque quis grandeza Qual a sorte a não dá (…) Sem a loucura, que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria.
No meu romance O Conquistador narro o aparecimento fantástico de uma criança fisicamente semelhante a D. Sebastião, na manhã enevoada de um dia de São Sebastião, vinte de Janeiro, dia do nascimento do rei. O incipit romanesco acontece a vinte de Janeiro de 1954, quatro séculos exatos, dia por dia, sobre a data em que nasceu o Desejado. Mas o meu protagonista tem outras ambições, e são outras as suas conquistas. Em manhãs de nevoeiro ouve-se aqui dizer que é um dia ideal para D. Sebastião voltar. E hoje mesmo, 3 de novembro, no Público, o mais prestigiado diário português, o acutilante cronista Vasco Pulido Valente termina assim o seu artigo de opinião sobre a desgraça financeira e política do país: “Se alguém encontrar D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, por favor escreva para este jornal.”